Adelino Francisco de Oliveira
A palavra redenção guarda um sentido teológico profundo. Na tradição cristã, representa o resgate, a salvação da própria humanidade por meio do sacrifício de entrega e amor sublime de Jesus Cristo. A redenção consiste em resgatar aquele que estava perdido. Redenção é salvação. É a possibilidade de recomeçar a vida, mas agora em um outro patamar. Pela ressurreição de Jesus, ensina a cristologia, a humanidade é redimida da própria morte eterna.
Como uma fênix! Em um sentido ético, mas sem perder a perspectiva teológica, redenção talvez seja o termo que melhor se aproxime da experiência pessoal vivida por Lula, que ressurge literalmente das próprias cinzas, como uma fênix, a ave mitológica. Apesar de tantas perdas e derrotas pessoais, Lula consegue se reinventar existencialmente, recompondo e refazendo sua trajetória existencial, inclusive na dimensão afetiva, vivendo e se abrindo para um novo amor.
Mas a redenção de Lula alcança também um sentido político, pois sua vitória eleitoral representa o resgate do valor da democracia no Brasil. Esse é um ponto fundamental nessa emblemática eleição. Na medida em que o governo de Jair Bolsonaro, desde de seus primeiros gestos na presidência, sempre se colocou em confronto aberto com os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, Lula passou a ser um símbolo da própria democracia e dos direitos de cidadania. A eleição de Lula não deixa de simbolizar a redenção da política, da democracia, do projeto civilizatório.
A epopeia! Após tantos percalços, em uma jornada pessoal e política demarcada por quedas e também por muita força e coragem para se reerguer, Lula é eleito, pela terceira vez, presidente do Brasil. Em certo sentido, Lula é a síntese histórica da resistência do povo trabalhador brasileiro. Em sua história singular, Lula esteve na vanguarda da miséria que as classes dominantes reservaram ao povo trabalhador. Alijado de todos os direitos, passou fome. Vislumbrando a terra sem males, foi retirante, migrante. Tornou-se operário, explorado no cotidiano do chão da fábrica. Organizou a luta sindical. Foi perseguido e preso. Fundou o Partido dos Trabalhadores. Aprendeu que a política é uma arma estratégica de luta por direitos sociais. Em sua epopeia, Lula foi eleito presidente do Brasil por dois mandatos. No olho do furacão de um golpe anti-democrático, por meio de fraudes processuais, novamente foi perseguido e preso.
O gigante! A trajetória pessoal de Lula reconta também os dilemas da história recente do Brasil. A partir de sua história singular, tomada por tantas superações, é possível se revisitar e acompanhar os desdobramentos do processo histórico de redemocratização e de fundação da Nova República. Lula é sem dúvida nenhuma um ser humano gigante, capaz de promover recomeços. Somente alguém com sua estatura política, liderando uma frente nacional ampla, para enfrentar e derrotar o poderio do neofascismo.
A democracia brasileira também se apresenta como gigante, saindo mais forte e consolidada após essas eleições. O mundo inteiro volta todos os seus holofotes para o Brasil, que passa a ser um exemplo político, de como derrotar o neofascismo pelo voto popular. Agora é tempo de recomeços, de reconstrução democrática. Momento de olhar para frente, para o futuro, tendo o direito, a paz e a justiça como balizas éticas inegociáveis, a forjarem uma outra sociabilidade, no devir de um novo tempo. A redenção de Lula é a redenção da própria democracia.
Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal, campus Piracicaba. Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião. E-mail: [email protected].