Buongiorno, signorina

Sergio Oliveira Moraes

 


Um bocadinho na varanda. Magoo, Belinha. Ouvir a “Canção do Expedicionário,” com letra de Guilherme de Almeida e música de Spartacus Rossi. (Sugestivo, Spartacus…). A escolha da ‘Canção’. Lembrar. Contrariar o poeta. Manter fechados os vidros de loção. Deixar que o insuportável mau cheiro da memória me acorde. ‘Capisce’, Drummond?

Lembrar que em 28 de outubro ocorreu a marcha sobre Roma que levou o fascismo ao poder, há 100 anos. Reler o final do editorial de Benito Mussolini em seu jornal “Il Popolo d’Italia, 29 de outubro de 1922”: ‘Decidam-se! O fascismo quer o poder e o terá’ (“M o filho do século,” Antonio Scurati, página 570). 20 anos de fascismo. 5 de guerra, para resumir em tempo o que seria impossível em dor.

A ‘Canção’ homenageia 20573 pracinhas enviados para lutar na Itália contra o fascismo: “Por mais terras que eu percorra, / Não permita Deus que eu morra / Sem que volte para lá; / Sem que leve por divisa / Esse “V” que simboliza / A vitória que virá”. 465 morreram em batalha, 16 nunca foram identificados, não voltaram. Em dias de guerra, Giuliana Menichini, italiana de Pistoia abre a janela e ouve: ‘buongiorno, signorina” – era o pracinha Miguel Pereira (anos depois se casaram e lá ficaram).

Miguel foi responsável pelo Monumento Votivo Brasileiro, de sua construção em 1966, até 2003, quando faleceu. O filho do casal, Mario – que ajudava o pai desde 1997 – substituiu-o. Em 2/11/2021, o presidente brasileiro, acompanhado de um senador italiano, visitou o Monumento Votivo. Mario reagiu: “o soldado desconhecido que fica ali no monumento vai se revoltar. Meu pai, um pracinha que está no cemitério ali do lado, vai se revoltar muito, se revirar na tumba. Infelizmente, temos a ideologia contrária vindo homenagear quem combateu e derrotou o nazifascismo.” Compreendo sua indignação Mario, como compreendo.

Compreendo sua dor, de filho, pelo desrespeito pelo interesse dos indesejáveis visitantes de meramente fazer campanha política, simular, como você apontou na entrevista. Por aqui, terras onde seu pai nasceu, o mesmo. Há quatro anos, quando um apoiador do atual presidente matou a tiros um cachorrinho por ter latido durante uma carreata, prometi à nossa Belinha, em seus últimos momentos, que não me absteria nas eleições no domingo seguinte, não anularia meu voto, e seria contra o atual presidente. Cumpri a promessa. Refaço-a por você também Mário, por seus pais e tantos e tantas que lutaram contra o nazifascismo.

Sabe Mário, talvez eu devesse falar sobre canibalismo, insinuações sobre prostituição de crianças venezuelanas, desrespeito ao culto da Padroeira do Brasil, aos aposentados e pensionistas, aos assalariados, à senhora Carmen Lúcia…  Mas preciso falar sobre um apoiador do atual presidente, que violando acordos que permitiram que passasse da prisão fechada à domiciliar, teve sua prisão revogada – e reagiu com mais de 50 tiros de fuzil e granadas. Sim, Mário, também pelos dois agentes feridos, votarei 13 duas vezes no próximo dia 30.

Você deve ter ouvido histórias semelhantes de seus pais. Um dia um cachorrinho é morto a tiros e ignoraram, pessoas, animais, árvores, tombam no caminho e são ignoradas. Alguém dispara mais de 50 tiros de fuzil, atira granadas contra policiais e tudo é ignorado.

Não posso ignorar, votarei 13, negarei o editorial fascista: o fascismo quer o poder, mas NÃO o terá! Vou de 13 duas vezes: NÃO ao culto às armas, violência e morte. Prometo, descansem em paz pracinhas. Descansem em paz também Belinha e Magoo. Votarei 13. Descansem e ‘buona sera, signorinas’.

 

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Sergio Oliveira Moraes, físico, professor aposentado da Esalq/USP

 

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