Diante da Torre de Babel

Adelino Francisco de Oliveira

 

Quem imaginaria que questões específicas do campo religioso estariam no centro do debate eleitoral em pleno século XXI? Como supor que problemas ético-morais, circunscritos à esfera da vida privada, poderiam ainda definir votos no contexto de sociedades modernas? Mesmo após as poderosas críticas de Karl Marx e Sigmund Freud a religião ainda se perpetua na reprodução de dinâmicas de alienação? Como pensar a experiência religiosa, tão intensa e profunda, para além dos processos de manipulação, que envolvem a manutenção de espaços de poder, de controle social e muito dinheiro?

Diante da Torre de Babel! Em um cenário teologicamente tão confuso, tomado por tantas contradições, a questão fundamental consiste em investigar se ainda é possível conceber a religião em uma perspectiva crítica, comprometida com os processos de libertação sócio-histórico, como vislumbrou a Teologia da Libertação na América Latina. A atividade pastoral do grande e saudoso Dom Paulo Evaristo, Cardeal Arns, que esteve à frente da Arquidiocese de São Paulo por 28 anos, ainda se destaca como referência para se pensar o cristianismo no Brasil? Qual a relação legítima entre a fé cristã e a política?

Voltar às fontes! O movimento de Jesus representou uma verdadeira revolução cultural e religiosa, rompendo com velhas práticas do judaísmo sob a ótica do farisaísmo. Jesus Cristo denunciou e se opôs, com a coragem profética da verdade, tanto a ordem político-econômica imposta pelo Império Romano, quanto o ordenamento religioso, que justificava toda estrutura de poder, sedimentada em uma dinâmica de opressão e exploração dos mais pobres. Nesse ponto, apenas a título de ilustração, a passagem bíblica do sermão da montanha consiste em uma narrativa que não deixa dúvidas sobre o lugar político do movimento de Jesus. A cena de Jesus se levantando contra os vendilhões do Templo é outro momento paradigmática.

A teologia, mediante o rigor científico dos estudos exegéticos e da hermenêutica bíblica, tem permitido com que os cristãos de hoje conheçam melhor o sentido mais profunda da mensagem de Jesus Cristo. A perspectiva teológica é do que nunca imprescindível para iluminar e referenciar todo debate contemporâneo sobre a intrínseca relação entre fé e política.

É a memória desse cristianismo, herdeiro fiel do movimento de Jesus, que produziu tantos mártires ao longo da história, inclusive na vasta América Latina, testemunhando o projeto de uma sociedade pautada na solidariedade, na liberdade e na paz. Essa memória de um cristianismo revolucionário interpela hoje o cristão a se levantar contra as injustiças e violações dos direitos fundamentais. A coerência com sua fé provoca o cristão a não aceitar uma lógica social, política e econômica que insiste em produzir tantas formas de violência contra a dignidade da vida.

Fé e política! A fé cristã conduz, obrigatoriamente, à militância em torno da defesa da política da vida. A experiência religiosa, no contexto do cristianismo, deve ser sempre libertadora, em um sentido pessoal, mas também, e sobretudo, em uma dimensão político-social. Essa é a grande novidade da mensagem ensinado pelo movimento de Jesus, narrada e testemunhada nos Evangelhos e na longa tradição das Igrejas cristãs. A fé muda a vida das pessoas, que, por sua vez, atuam politicamente, transformando a sociedade, a partir do amor ao próximo como princípio ético inegociável e da defesa intransigente da justiça e do direito como fundamento para as relações humanas.

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Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba, Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião;  [email protected]

 

 

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