Colapso social: o descaso e as políticas públicas sociais

Rycaom Antolini

 

As cidades brasileiras têm vivenciado nos últimos anos um aumento significativo de pessoas que vivem e/ou fazem uso das ruas como moradia e sobrevivência. As pesquisas censitárias realizadas com essa população na cidade de São Paulo mostram que em 2019 o número de pessoas vivendo nessa situação era de 24.344; no final de 2021, o número chegou a 31.884. Isso representa um aumento de 31%. Além disso, é notório também o aumento de crianças em situação de rua e trabalho infantil na capital do Estado de São Paulo.

Muitos amigos, especialistas nas áreas de políticas públicas sociais, têm alertado que o aumento de pessoas em situação de rua é uma das consequências do agravamento das vulnerabilidades sociais em decorrência de uma série de fatores, dentre eles, o aumento do desemprego, a alta nos preços de produtos, os despejos forçados etc. Esses e outros fatores estão atrelados à falta de investimento em políticas públicas, sobretudo nas áreas sociais. É importante destacar que durante os anos de 2003 a 2016, tivemos avanços significativos nas políticas públicas da área social, o que proporcionou um suporte maior do Estado para as famílias mais vulneráveis, provocando, em muitos casos, a prevenção do agravamento das situações de vulnerabilidade e a mobilidade social de muitas famílias.

Entretanto, no Brasil, desde 2016 temos vivenciado um cenário de retrocesso. Além disso, a pandemia de Covid-19 acabou por acelerar e evidenciar o cenário de desigualdade social em nosso país. O aumento da pobreza fica evidente ao analisarmos os dados do CECAD, que apontam que no Brasil, em dois anos (abril/2020 a abril/2022), tivemos um crescimento de 22,66% de pessoas inscritas no Cadastro Único (principal base de dados para medir o aumento ou a diminuição da pobreza no País).

Ainda no CECAD, em relação a cidade de Piracicaba podemos observar que, em abril/2022, o número de famílias inscritas no Cadastro Único em situação de pobreza ou extrema pobreza foi de 17.178. Comparando com os dados do ano de 2020, cujo número era de 13.388, observamos um crescimento de 28,31% dessa população. Outro dado importante é o que trouxe o Censo da População em Situação de Rua, realizado em Piracicaba em 2021, que mostrou que 24% das pessoas entrevistadas viviam nessa situação havia menos de 1 ano. Apesar da realidade alarmante, a previsão orçamentária da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social de Piracicaba (SMADS), que já era insuficiente para a manutenção dos serviços da área social, cresceu apenas 11,57%, de 2020 para 2022, segundo a Lei Orçamentária Anual do Município de 2022 (LOA). Além disso, o quadro de funcionários dessa secretaria só vem diminuindo e não há previsão de novas contrataçõesa curto prazo.

O cenário piracicabano de aumento das desigualdades sociais, atrelado à falta de investimento em políticas públicas adequadas, consequência de um governo despreparado e insensível às causas sociais, tem empurrado o município para o colapso social. Devemos lembrar que Piracicaba já foi pioneira na implantação de políticas públicas, o que tem mantido o município em posições confortáveis em índices que medem o desenvolvimento e a responsabilidade social. Mas, as respostas do atual governo para o agravamento da pobreza e outras vulnerabilidades são insuficientes.

O atual prefeito tem adotado sobretudo uma postura negacionista diante dos dados e evidências do aumento da pobreza e outras vulnerabilidades. Em suas poucas aparições públicas e comentários sobre as questões sociais, o prefeito tem se limitado a trazer uma confusão de dados inconsistentes que negam a realidade da população, a apresentar soluções simplistas para o enfrentamento dos problemas e a criminalizar a população mais vulnerável da nossa cidade.

É de desesperar quando vemos que os investimentos da Prefeitura resumem-se a projetos de “embelezamento” de áreas públicas ou de ações que beneficiam parcelas mais favorecidas da população. Cabe destacar que recentemente a Prefeitura de Piracicaba apresentou, por meio do seu setor de comunicação (setor este que tem recebido alto investimento da atual administração), a instalação de uma unidade de uma rede de mercados, na praça José Bonifácio, de funcionamento 24h, como “o ponto de partida para uma revitalização da área central” da cidade. O que aparece como “solução” para alguns apresenta-se como um pesadelo para outros. O estrato social de baixa renda tem sido o mais afetado por esses “programas de renovação urbana” que envolvem projetos de revitalização de áreas centrais, reformas de praças, demolição de banheiros públicos, aumento da opressão policial, incentivo para a instalação de equipamentos do comércio e serviços e, sobretudo, falta de investimento em equipamentos públicos de proteção social. Esses processos higienistas têm forçado o deslocamento das populações vulneráveis para áreas mais periféricas da cidade, empurrando essa população para o agravamento de suas vulnerabilidades sociais.

Desde que assumiu a administração pública, o prefeito não apresentou nada de efetivamente concreto que demonstre sua preocupação com a área social. O combate a fome da população, o acesso à moradia, o fortalecimento da rede de proteção social e da rede de atenção à saúde, a promoção de ferramentas para diminuição das desigualdades sociais, a criação de mecanismos de combate à violência de gênero, entre tantas outras coisas, não fazem parte das prioridades desse governo. Todas as ações voltadas para as populações mais vulneráveis resumem-se ao oferecimento de cursos realizados em parcerias com o sistema S ou com a iniciativa privada. Está claro que o discurso negacionista do prefeito, a criminalização da pobreza e a responsabilização da população mais vulnerável por sua condição fazem parte de um projeto político para favorecimento de uma classe social mais privilegiada de Piracicaba – aquela da qual ele próprio faz parte.

É urgente o aumento de investimento nas políticas públicas que favoreçam aquelas parcelas mais vulneráveis da população, fortalecendo as políticas de proteção social, saúde e educação. Mais do que o teatro que têm se tornado as reuniões do Orçamento Participativo, o investimento deve estar atrelado a uma gestão mais sensível às causas sociais e mais compartilhada, acolhendo as demandas dos servidores públicos municipais, afinal são eles que estão na linha de frente da execução de políticas públicas. “O Rycaom Antolinin tem, aqui em Piracicaba, vi uma pessoa comendo comida do lixo.” Esta é uma realidade cada vez mais frequente na cidade de Piracicaba. Afastar os problemas sociais das áreas centrais e dos olhos daqueles que transitam de carro pela cidade não faz com que algumas pessoas deixem de procurar por comida nas lixeiras para se alimentar.

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Rycaom Antolini, dentista aposentado

 

 

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