A política e o novo cardeal

José Maria Teixeira

 

Política é um tema para o qual muitos, para não ouvirem de alguma forma, tampam os ouvidos como a não aspirar um mau cheiro. Outros chamam os que o abordam de oportunistas ou politiqueiros. Não é incomum por essa mesma razão que organizações filantrópicas proclamam com certo orgulho ao solicitar ajuda que independem do poder político e econômico.

Alguns outros ainda para não serem importunados se omitem até mesmo quando lhes compete por oficio, ou seja, professores, pastores padres, e até bispos. Enfim, o que cabe a todos e a cada um enquanto ser humano na construção de uma sociedade democrática a estes cabe profissionalmente.

Dialogar, dialogar e dialogar em busca dos princípios que norteiam a criação de normas que possibilitam  com dignidade o conviver.  Esta é a função principal da política: organizar a vida em comunidade.  Aqui se assentam todas as Câmaras desde o Congresso Nacional até ao menor município do país. Este escudado nos artigos 29 e 30 da Constituição cidadã de 1988. Lá, consta o que compete ao município quanto à política regida pela sua lei orgânica.

Essa ojeriza pela política não é algo gratuito. Fruto da escolarização oferecida pelo Estado quando se vê pessoas “escolarizadas” falarem alto que odeiam a política. Fruto de uma evangelização não esclarecedora quando se vê pessoas cristas, católicas ou evangélicas afirmarem que a igreja não se mete em política.

O Brasil é um estado laico, isto é, a igreja é separada do estado. Medida correta. Porém, má esclarecida junto aos fieis e muito a gosto de grupos controladores da política mantêm grande parte do povo à  margem das decisões políticas da sociedade.  Buscando superar essa situação cônscia de sua missão evangélica “vos sois Luz do mundo e sal da terra” a igreja cria o movimento “Fé e Politica”. Afinal, por que fé e política? Porque o desdobramento deste binômio propicia para qualquer nação caminho mais seguro para formação de um governo democrático. Fé e política são instrumentos vinculados  no agir humano.  Ensinamento milenar  inconteste apregoado pelo velho filosofo Aristóteles: “ O homem age, age por algum fim”.

E o que o move nesse agir é a sua crença, sua fé de que o fim almejado e alcançado o satisfará na sua finalidade, no caso, no seu viver e conviver com seus iguais.  Assim o movimento fé e política é indispensável  para o povo que quer e busca um governo democrático.  Todos sabem que um governo democrático não o é só por ter sido legitimamente eleito. O Brasil, por exemplo, não tem um governo democrático embora o mesmo tenha sido legitimamente eleito.

 

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Bolsonaro odeia índios e negros, fundamentais na formação da Nação brasileira e um governo democrático requer a participação de todos os sujeitos da sociedade civil em seus diversos níveis de modo que todos sejam informados, ouvidos e envolvidos no que se refere ao bem comum, em um processo de democracia participativa. Bolsonaro, porém, faz o contrario. Repele os LGBTQIA+, incentiva o garimpo ilegal no Amazonas, destrói as políticas publicas na saúde, na educação e em outros setores da administração pública, como a armação fratricida do povo brasileiro.

Num contexto como este em que vive o Brasil de desvio de finalidade, o melhor de desgoverno, cabe, e talvez  já passou da hora, retomar a pratica da “Fé e Politica”, movimento supra partidário que apóia e quer democracias participativas.

Já se pode entender então que Fé e Política não é e não deve ser preocupação única e exclusiva de grupos religiosos. Este binômio é um dado intrínseco da vocação existencial do homem. Nascido há que buscar sobreviver ou seja criar relações condizentes com sua natureza.

Não se trata de querer ou não querer. O homem é chamado à existência para viver e conviver. Este ato como ensina a ciência da Ética é diferente de todos outros . É chamado de ato humano. É o ato que implica a razão pela qual  pode se explicar  porque se faz ou se deixa de fazer, o porque deve ou não fazer.  É por esse ato que a Ética induz as pessoas a refletirem  sobre suas ações visando a fixação de comportamentos básicos  inerentes a uma sociedade que reflete por dever e direito, coletivamente  sua satisfação ou insatisfação com a política  do governo.

Por exemplo, o que pensar sobre o orçamento secreto recentemente aprovado pela Câmara e Senado? Dinheiro público para destino ignorado? Onde ficam os princípios da moralidade, transparência, publicidade pelos quais se deve reger a administração publica conforme reza o art. 37 da Constituição  Federal? Aqui deve falar o movimento Fé e Política tendo a palavra de Deus como roteiro da fé. Então, dê a Cesar (governo ) o que é de Cesar, isto é, paguem seus impostos não soneguem. Contudo, há que se dizer firmemente a Cesar a finalidade daquele recurso: saúde, educação, moradia… Jamais para promover passeios de moto ou ser distribuído  sorrateiramente entre seus amigos, orçamento secreto, balcão de negócios como tem acontecido no FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da  Educação).

Em que pese toda estrutura parlamentar, Câmara Federal, Senado e nos Estados e Municípios, nada disso tira o direito e, portanto, o dever do cidadão manifestar seus desejos, suas concordâncias e suas contrariedades em face do poder em todas as instancias.  Mesmo porque a Constituição cidadã de 1988 reza em seu art. 1º Parágrafo Único: “Todo poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição”.  Fé e Política, pois, na orientação para criação e sustentação de sociedades que sequer democráticas.

 

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Aliás, com muita ênfase, o jornal Folha de S. Paulo, terça-feira, 07/06 pagina B-3, informou a nomeação pelo Papa Francisco de três novos cardeais, conselheiros do Papa. Entre eles, o cardeal Dom Leonardo Steiner, este encarnado nos Evangelhos de Jesus Cristo, já vinha denunciando o incentivo do Governo Bolsonaro ao garimpo ilegal.

Em entrevista, diz que defende os povos indígenas, o meio ambiente e a maior participação de católicos na vida partidária. E afirma: “A política deve voltar a ser assunto nos bares, nas escolas, na universidade, na pastoral”. Perguntado se a igreja pode ser uma bussola em tempos tão polarizados, responde: “A bussola é o Evangelho que ela busca anunciar e viver”. Eis que o pensamento social da Igreja tem a sua fonte no Evangelho e seu desenvolvimento na doutrina social. É a partir do Evangelho que é possível enunciar uma série de princípios permanentes que o norteiam; eles se relacionam à economia, à política e às questões ambientais. A solidariedade, os direitos humanos e a opção pelos pobres constituem o foco deste ensinamento e compromisso social.

Perguntado como vê o governo Bolsonaro sobre o garimpo ilegal, responde com uma dura crítica: “O garimpo é a agressão ao meio ambiente e, por isso da casa dos povos indígenas, da nossa casa comum. O garimpo está destruindo as águas. O mercúrio é uma maldição. Para os donos do garimpo, não importa a vida dos outros, as pessoas, os povos. O que importa é o ouro, o dinheiro. Nada mais interessa. O governo tem colaborado com essa destruição…”.

Este é o novo cardeal que, fundado na bussola da igreja, o evangelho de Jesus Cristo, abraça com fé e coragem o temido tema fé e política. E mais: professa-o e proclama não só no fundo das sacristias, mas nas ruas, nas praças. E guiado pela bussola infalível dos evangelhos prega a necessidade de se discutir a política em todos os quadrantes do país, exigindo dos responsáveis legitimamente constituídos o cumprimento do juramento sagrado de bem servir a nação defendendo a Constituição.

Pelo movimento Fé e Política, relacionado com a ética, o novo cardeal não nos traz nada de novo. Ele nos esclarece, com o seu corajoso posicionamento fundado nos evangelhos, que a laicidade, religião separada do estado, não muda a natureza de ser do homem.. O homem, enquanto sujeito de direitos e deveres dotado de inteligência e vontade livre, é um ser político independente de sua pratica religiosa qualquer que seja ela.

Então criticas sobre o governo como as feitas pelo novo cardeal, enquanto líder religioso, não podem ser consideradas intromissão da igreja em assuntos administrativos do estado democrático brasileiro. Esta tese republicana da laicidade, justa correta, serviu, a partir do seu nascedouro, para manter afastados da vida política da republica os leigos e leigas com um ver mais crítico da vida em sociedade.

Não é incomum ouvir, ate mesmo dos púlpitos religiosos, tal assertiva: “a igreja não se mete em política”. Tudo isso fruto de uma catequese, de um plano de evangelização menos aprofundado, observação do novo cardeal: “… faltou a palavra de Deus como itinerário da fé”.

Na verdade, com a proclamação da República, em 1889, após o governo do Marechal Deodoro, 1889/1891 e do Marechal Floriano Peixoto 1891/1894, inaugurou-se um novo período na história política do Brasil: o poder político passou a ser controlado pelas oligarquias rurais, grupos de famílias, principalmente os fazendeiros produtores de café. Durante o ano de 1894, estes grupos, paulistas e mineiros, se articularam e assumiram o poder passando a controlar a republica. Dessa aliança, surgiu o candidato eleito nas eleições de março de 1894, Prudente de Morais, filiado ao Partido Republicano Paulista (PRP). A partir de então, o poder político brasileiro ficou restrito às oligarquias agrárias paulista e mineira, de 1894 a 1930, período conhecido como República Oligárquica.

Assim, o domínio político presidencial durante esse intervalo de tempo prevaleceu entre São Paulo e Minas Gerais, efetivando a política do café-com-leite. Até então, pode se imaginar a condição do homem e da mulher brasileiros. O direito e exercício do voto dizem tudo. Mulher não vota, analfabeto não vota, quem não tem ganho não vota. Pergunta-se: quem votava? Os que votavam em quem votavam? O que era a chamada política dos Governadores? Apoio ao presidente a troco do silencio dos não feitos ou males feitos nos estados, apesar da lei. (origem do atual Centrão).

 

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A esse estado de coisas que, apesar de toda evolução social-política e da separação da igreja do estado, vive-se ainda sob fortes resquícios do sistema do padroado que subjugava a igreja ao poder dos reis. Portanto, faz se necessária a atuação da igreja com o movimento Fé e Política. Isso não significa e não constitui uma interferência da igreja na política. Mesmo porque as pessoas, enquanto tais, precisam pensar sobre suas ações, colocando a razão acima das emoções, procurando a felicidade individual e coletiva, porque o ser humano vive em grupos e as suas atitudes devem visar ao bem e a felicidade de todos. Aqui, levanta-se a relação da fé e política com a ética  Como virtude, é praticada sem nenhum tipo de pressão exterior, vem de dentro do consciente do ser ético. A Ética leva o homem a agir não só por tradição, educação ou hábito, mas principalmente por convicção e inteligência. Isto equivale a dizer que o homem para ser ético é preciso aprender a ser cidadão. E para ser cidadão não é suficiente o titulo de eleitor. É preciso  aprender a agir com respeito, honestidade, responsabilidade, lealdade, solidariedade, justiça e não violência. É preciso aprender a usar o diálogo nas diversas situações da vida social, comprometendo-se com tudo o que acontece na sociedade, repudiando as injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito.

Acredita-se e espera-se que o mesmo espírito  de Fé e Política revestido pela ética ancorado no Evangelho que anima o novo cardeal alcance a todos particularmente os discípulos de Jesus. “Vos sois meus discípulos, luz do mundo e sal da terra”. Mt 5, 13-16) “Eu vos dou um novo mandamento: Que vos ameis uns aos outros como eu vos ameis” (Jo 13,34).

Assim pelo movimento Fé e Política discutindo em todos os espaços, por certo, chegaremos com melhor luz às urnas de outubro 2022.  Mesmo porque, sendo o maior produtor de grãos e detentor  do maior rebanho bovino do mundo, é possível e imperioso acabar com a fome de 33 milhões de brasileiros, nossos irmãos. Ou ainda reconstruir este país em tão pouco tempo destruído salvando seu patrimônio símbolo, a Petrobras, e o proprio Brasil.

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Jose Maria Teixeira, professor

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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