Eloah Margoni
Como já foi dito, “a arte existe para que a realidade não nos destrua”, “existe porque só a vida não basta”.
Em longinquas eras, indivíduos dotados de neurônios diferenciados com um quê de vibrações especiais descobriam tintas e começavam a pintar, em cavernas, animais e pessoas, cenas do cotidiano pré-histórico que hoje nos trazem ecos daqueles tempos e seres ancestrais. Outros dentre aqueles ensaiavam passos de dança e perceberam harmoniosos sons no mundo, nos objetos, criando instrumentos musicais primitivos. Isso faz parte da nossa jornada evolutiva e vem conosco até agora.
Em nossa querida Piracicaba porém, com retrocesso e regressão não se brinca! Agora perdemos, aqui, nosso Conselho Municipal de Cultura. Quero dizer, foram dele alijados, excluídos aqueles que fazem, que divulgam, que criam arte, os quais são os que mais interessam participar do Comcult; ou seja, os representantes dos artistas.
Distante vai o tempo em que nossa cidade tinha a preconceituosa pecha de ser “fim de linha”, mas isso para virar, hoje em dia, apenas o fim da picada? Sentimentos, cara Pira.
Por falar em picada lembrei-me de um amigo de faculdade. Fazia parte do nosso grupo. Simpático, educado, bem vestido, filho único de família com boa situação social. Todos gostávamos dele. Porém lutava contra o vício em drogas. Ficávamos, em sigilo, sabendo discreta e parcialmente alguns aspectos de suas dificuldades e batalhas. Nem sei se venceu tal luta mas cheguei a desconfiar de que não quando, em 2018, em plena e absurda perseguição à lei Rouanet, a seus beneficiados, escreveu-me a seguinte frase : Não preciso dos artistas para nada. Isso chocou-me demais. Não precisa, bro? Então precisa de que? Somente de álcool, de outras drogas? Se for esse seu caso não é o meu. Não manifestei a ele tais pensamentos descritos; calei-me. Mas que pensei, pensei, e penso exatamente isso até agora.
Quem não sente encantamento no mundo, solidariedade, amor e empatia para com os outros seres, para com a natureza, quem não tem olhos para o belo nem garra para busca do desconhecido ou quem não sabe expressar seus conflitos como artista ao menos, certamente abusará sem freios de coisas, mecanismos e lances perigosos que corroem e arruínam.
Que nossa Piracicaba, tão sem luminosidade e brilho, recupere a alma em múltiplos aspectos, em todos eles. Que os artistas possam emanar luz, que nos ajudem a espantar as trevas, desejo. Queremos pois, e logo, nosso Comcult de volta!
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Eloah Margoni, médica