Descobrimento ou invasão?

Pedro Kawai

 

Dois dias apenas separam o Dia do Índio e o Descobrimento do Brasil e, entre eles, há ainda, o feriado de Tiradentes, mártir escolhido pelos republicanos para simbolizar a resistência contra a monarquia, muito embora o dentista e militante político tenha sido enforcado 97 anos da Proclamação da República.
Intrigante o fato de a morte de Tiradentes ter sido convertida em feriado nacional, e não o dia em que o nosso país foi descoberto pelos portugueses, em 1.500. A história conta que a decisão foi de Getúlio Vargas que, após a Revolução de 1930, decretou a redução dos feriados nacionais, colocando o aniversário do Brasil no meio de outros de menor importância.
Desde então, nenhum presidente, civil ou militar, se manifestou em rever tal decisão, embora haja muita discussão sobre o significado da data. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Columbus Day, que celebra a chegada do italiano Cristóvão Colombo às Bahamas, em 12 de outubro é feriado, comemorado sempre na segunda semana de outubro. Na Colômbia, a data também é festejada – Dia de la Raza (descobrimento), celebração semelhante que ocorre em outros países latino-americanos. Contudo, algumas nações sul-americanas preferem guardar a data como um dia de reflexão sobre a invasão cultural do homem branco em território indígena.
No Brasil, muita gente sequer se dá conta de que 22 de abril é o dia do descobrimento. Alguns até se lembram, mas também questionam se a chegada de Pedro Álvares Cabral, ao que denominou de Terra de Vera Cruz, foi mesmo uma descoberta ou uma invasão, afinal, esta terra já tinha dono. Ironicamente, o Dia do Índio vem antes do Dia do Descobrimento.
Cabral e sua comitiva chegaram aqui sem pedir licença e, logo, tomaram posse de um território ocupado por mais de cinco milhões de índios. Hoje, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população indígena não chega a um quinto desse total e, mais triste, mais da metade dela já não fala seus dialetos ou línguas originais. Mortes física e cultural de um povo que, até hoje, sofre as consequências dessa persistente invasão.
Descoberta ou invasão, o que se questiona é por qual razão não guardamos o 22 de abril como um dia de reflexão? Por que será que festejamos a independência, em 7 de setembro, se mal nos lembramos quando nos tornamos dependentes? E, ainda, qual é o motivo que nos leva a acreditar que não devemos defender a proteção dos índios, das nossas florestas, das nossas riquezas naturais, em detrimento do lucro e do business?
O Brasil possui a maior floresta do mundo, que ocupa 49% do território nacional e contém quase 50% da biodiversidade conhecida do planeta. A Amazônia contém 20% da disponibilidade de água e guarda espécies únicas da fauna e da flora. Isso precisa ser comemorado. Isso precisa ser lembrado diariamente nas escolas, para que as próximas gerações não permitam novas invasões, queimadas e o desmatamento da floresta para dar lugar às pastagens para o gado.
Penso que o Dia do Descobrimento não deveria ser tão negligenciado, afinal, um povo que não conhece a sua verdadeira história, que não se interessa pela boa leitura, pela literatura honesta e verdadeira, é mais facilmente manipulada e enganada. E o resultado? Bom, isso a gente conhece bem.
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Pedro Kawai, vereador pelo PSDB e membro do Parlamento Metropolitano de Piracicaba

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