James Granziol
Agreve é um direito garantido pela Constituição Federal. Para o trabalhador civil, esse direito é previsto em seu artigo 9º e nas Leis Federais nº 7701/88 e nº 7783/89. Para o servidor público, em seu art. 37, nos termos e limites definidos em lei específica.
Ocorre que, desde a promulgação da Carta Magna em 1988, essa lei ainda não foi editada. Diante desta omissão legislativa, de competência do Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o Mandado de Injunção 712/DF, em 2007, decidiu pela aplicação, às greves dos servidores públicos, das mesmas regras aplicáveis aos trabalhadores civis. Exige-se, ainda, a observância de procedimentos próprios, como a tentativa de prévia negociação, a frustração e impossibilidade de negociação, a deflagração por decisão assemblear, a comunicação ao Prefeito com antecedência mínima de 72 horas, mobilização por meios pacíficos e a garantia de continuidade da prestação dos serviços essenciais à população. E não podia ser diferente, até porque, nesse imbróglio, é a população que diretamente sofre os seus efeitos.
No último 1º de abril – e não é o “dia da mentira” – os servidores públicos municipais definitivamente instauraram o movimento paredista, forçando o Chefe do Executivo a se socorrer do Judiciário para pôr fim à paralisação. Inicialmente, impetrou ação de interdito proibitório, a fim de garantir o livre acesso dos servidores ao trabalho, o de evitar danos ao patrimônio (como se os servidores grevistas fossem vândalos irresponsáveis) e o de impedir aglomerações de pessoas em frente aos próprios municipais e a instalações de estruturas e acampamentos (instrumentos já garantidos pela Corte Suprema).
Posteriormente, ao constatar a maciça adesão ao movimento grevista, intentou ação de dissídio coletivo, com o fito de cessá-lo. Nela, o Executivo solicita a manutenção das atividades essenciais e o funcionamento regular de todos os demais serviços públicos, em percentual a ser estabelecido pelo Tribunal de Justiça, com imposição de multa diária, em caso de descumprimento. Recebido pelo Tribunal de Justiça, o desembargador, unilateralmente, determinou o retorno ao trabalho de 100% dos servidores das áreas consideradas “essenciais” e 70% dos demais servidores da Administração Pública.
Andou mal o judiciário bandeirante, pois essa decisão não se amolda à estrutura constitucional. O retorno de 70% de todas as áreas “não essenciais” retirou a efetividade do movimento reivindicatório a ponto de esvaziar o conteúdo dos arts. 9 e 37 da Constituição Cidadã, que asseguram o direito de greve.
No julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo n. 654.432/GO, de 2017, o Ministro Edson Fachin ressaltou que qualquer restrição ao direito fundamental de greve deve ser realizada com proporcionalidade: “Isso porque o direito de greve deriva das liberdades de reunião e de expressão, direitos que, como já reconheceu esta Corte, constituem pilares do Estado Democrático de Direito. Assim, ainda que se admita eventual restrição ao exercício desse direito, não pode a limitação simplesmente inviabilizá-lo, retirando-lhe um núcleo mínimo de significação”.
Para o Ministro Gilmar Mendes, nos Mandados de Injunções – MIs 670, 708 e 712, assentou que deve haver “harmonização do conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o efetivo exercício do direito de greve pelos servidores, de um lado, e o direito à prestação adequada e contínua dos serviços públicos essenciais pelos cidadãos em geral, de outro”. Ainda, ao julgar a ADI 4857/DF, aduziu que “no âmbito das atividades próprias do Estado, é necessário assegurar a coerência entre o exercício do direito de greve pelos servidores públicos e a prestação continuada dos serviços públicos, necessária ao atendimento do interesse público coletivo”.
Na visão da Ministra Cármen Lúcia, acompanhada pela Ministra Rosa Weber, deve haver ponderação entre o direito fundamental à greve e o princípio da continuidade dos serviços públicos; deve-se buscar a harmonia necessária para a preservação da ordem e da continuidade do serviço público com a garantia do direito de greve pelos servidores, sem, contudo, enfraquecer o exercício desse direito; não se deve tornar inócua a atuação grevista a ponto de debilitar a sua força reivindicatória. Em síntese, a imposição de retorno de 70% dos servidores é incompatível com os posicionamentos dos ministros da Suprema Corte.
A greve é um direito de autodefesa que consiste na abstenção coletiva e simultânea do trabalho. Ela tem a finalidade de defender determinados interesses de uma categoria de trabalhadores. Nos moldes estabelecidos pelo Tribunal de Justiça, até o momento, o direito de greve deixa de ser um direito real e passa a ser mera letra morta de lei, motivo pelo qual levou o Sindicato da categoria a interpor recurso à esfera superior.
O que se busca com a presente greve é apenas a reposição inflacionária dos anos de 2019, 2020 e 2021 e melhorias nas condições trabalho. Nada além das promessas de campanha. São 28 anos sem greve no Município. Todos os prefeitos anteriores garantiram a reposição inflacionária. Será esse é o “novo jeito de governar”?
Aprendi com minha avó, ainda criança, que o diálogo é sempre o melhor caminho. O processo judicial está em curso e há espaço para o estabelecimento de nova proposta que se mostre justa e razoável para as partes. Quem ganha com isso? O Estado Democrático de Direito e toda a coletividade piracicabana, já tão sofrida por causa da pandemia. Um conselho? Menos vaidade, mais humanismo.
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James Granziol, servidor público municipal, que ajudou a eleger o atual prefeito