Eloah Margoni
Com exceção das petecas talvez, outras relevantes e tradicionais tecas estão em perigo aqui em nossa querida mas, temporariamente (espero), desacertada Pira. Não só elas, mas o importante e às vezes único conteúdo que encerram ou encerravam. Foi o triste caso da Pinacoteca e agora é a vez da Biblioteca. Se tivéssemos alguma Cinemateca… valha-me Deus!
Mas que espaço maravilhoso nossa Biblioteca possui! Imponente quase, com local muito adequado no subsolo, para eventos culturais além de tudo. Prédio de pé direito altíssimo, lugar ventilado, o que não elimina a necessidade de climatizadores ou de aparelhos desumidificadores, para a conservação dos livros que são seu especial tesouro. Tais aparelhagens não existem no lugar e creio que nunca existiram. A vergonhosa imundície das paredes e dos lustres que hoje lá se vê é lamentável, muito feia e prejudicial ao precioso acervo. Já a construção em estilo moderno, contígua a um jardim, central e com estacionamento, há de possivelmente espicaçar a cobiça de quem tem olhos compridos ou, como diriam os portugueses, olhos “em bicos” voltados para o ótimo prédio. Aí começa a ladainha. Aín, a biblioteca tem pouca frequência, os jovens não vão lá, parari parangolá. Pois bem, eles irão quando tal for articulado com as escolas e providenciada condução para os alunos; aliás, passou da hora.
Há também certo erro no raciocínio acima, diz-me a pequena mas eficiente intuição de cidadã escrevinhadora. Por que é necessário pensarmos em grandes quantidades de pessoas para um local nobre, especial, simbolicamente um templo até? É a mania de valorarem-se coisas sem na verdade valorizá-las como seria o certo. Um único menino de periferia faz das tripas coração para conseguir lá ir frequentemente, e ele virá a ser um James Joyce, um Paulo Leminski, um Jorge Amado; ou talvez o menino seja apenas louco por desenhos, encontre lá refúgio com seus cadernos, onde rabisca e esboça personagens que o resgatam da marginalidade. Mas quem sabe será um professor importante, um advogado muito especial, um Cristiano Zanin Martins, um Prudente de Morais… Idosos leem diariamente jornais no local, e isso os mantêm vivos. Um pai de família descobre, num matutino, oferta de emprego, arranja trabalho, feliz, cuida dos seus. Certa mulher maltratada pelo marido ali se abriga num dia de sol quente, chora, lê coisas de autoajuda e isso a salva de certa forma. Dois amigos dos livros se conhecem em mesas próximas e se apaixonam perdidamente. Com certa periodicidade, autores fazem, no auditório, lançamento de seus livros publicados a duras penas, recebem amigos e oferecem sua obra. E, por todas essas situações e potencialidades que não se quantificam, digo que a Biblioteca é da cidade, é muito nossa! Nós a queremos lá e inteira, mantida, limpa, asseada, para cumprir seu papel, sua sina e sua história em Piracicaba. Nem mais.
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Eloah Margoni, médica e ambientalista.