Juliana Camargo Gonçalves
“Mamãe, por que os anjos adoecem?” Perguntou a menininha secando as lágrimas.
A mãe calou-se. Ficou pensativa e respirou fundo para dizer. Era uma segunda-feira, dia caótico e desgracioso. O céu estava limpo, não havia uma nuvem sequer. Também não havia sol, o dia estava adormecido. As flores da primavera não apresentavam tantas cores como o esperado; o vento que batia no rosto secava as lágrimas da pequena garota que sentava num banco de madeira de uma pracinha abandonada.
“Os anjos adoecem porque o fardo que carregam é muito pesado”, respondeu a mãe fazendo o máximo de esforço para não derramar nenhuma lagrima.
A garota não disse nada, calou-se em prantos. O choro quietinho deixava clara a indignação com as coisas do mundo. Ela inclinou e tirou do bolso uma pequena foto, amassada. Trazia consigo em todos os lugares aquela imagem, um pequeno filhote de cachorro.
Naquele momento eu entendi do que se tratava: era seu melhor amigo. O anjo que lhe acompanhava em todos os passeios estava ali, presente naquela foto. A dor transparecia sua maior saudade e fúria. Por que os anjos adoecem?
Era uma pergunta muda, com resposta gritante. Aquela tarde trouxe o peso da inocência da criança, que aprendera tão cedo o sentimento mais genuíno: a compaixão. Palavra esta, que não faz sua morada apenas no que se é piedoso; mas urge sobre o que é sentir com o outro (e pelo outro); o anjo adoecido era também seu jovem coração. Ambos convalescidos e interligados. Um, com o poder de gritar; o outro, com o de comover.
A mãe acariciou a filha e colocou-a no colo. Abraçou o quanto pôde. Sabia que aceitar a única certeza da vida era um trajeto longo e o aprendizado parecia impossível.
O dia se passou, e aquela cena ficou guardada na memória, como uma velha foto amassada pelo bolso.
Viver os próximos dias trouxera a minha alma uma nova certeza. Anjos adoecem porque são anjos e derramam sob o mundo o bom do amor. Anjos adoecem porque as coisas mais findas são também as mais lindas.
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Juliana Camargo Gonçalves, estudante de Letras da USP