Depressão não é falta de Deus!

Rodolfo Capler

 

Infelizmente, muitos associam depressão com a ausência de Deus. Ouvi isso na época em que travei uma batalha contra a doença. A suspeita de que alguma coisa não andava muito bem com a minha espiritualidade ou de que eu me afastara de Deus, pairava na mente de muita gente que me era próxima. “Como pode um clérigo estar com depressão?”, “Pra que serve a sua fé?”.
Esses questionamentos são frequentes – não só em ambientes religiosos – pois suas raízes se encontram no passado. Na Idade Média, a melancolia era enxergada como um pecado capital. Segundo o historiador Georges Minois, em sua “História do Suicídio”, no período medieval era corrente a ideia de que os melancólicos (muitos depressivos), eram dominados por um demônio que os atormentava, tirando-lhes suas forças psicomotoras e deixando-os a revolverem-se na cama até o meio-dia. Os sintomas depressivos, portanto, eram relacionados à ação direta do demônio.
Esse estigma teológico do ser depressivo, gerou uma visão distorcida não só acerca da doença, mas a respeito do portador da doença. Por essa razão, é muito comum pessoas que sofrem de transtorno depressivo serem julgadas por pessoas religiosas (implícita ou explicitamente), como carentes da presença de Deus ou sob a influência satânica. “Isso é falta de Deus”, me disse uma senhora, certa vez, quando me viu comprando anti-depressivos numa farmácia. Essa distorção teológica – que nos foi legada no período medieval -, serve apenas para estigmatizar pessoas doentes e para afastá-las da ajuda de que necessitam.
Além de medieval, essa compreensão é desonesta e amparada na inverdade, pois muitos dos maiores homens e mulheres de fé que o mundo já viu, tiveram uma impiedosa luta contra a depressão. A história do Cristianismo está cheia de santos depressivos que realizaram coisas maravilhosas a despeito da doença que enfrentavam.
Santa Flora de Beaulieu, Joana Francisca de Chantal, Elizabeth Ann Seton, São Franscisco de Sales, Santa Terezinha do Menino Jesus, Martinho Lutero, David Brainerd, John Bunyan, Willian Cowper e muitos outros, são exemplos de pessoas piedosas, que embora enfrentassem a depressão, expressaram uma fé inabalável em Deus e deixaram muitos frutos de amor no mundo.
A depressão não é falta de Deus; é uma doença neuronal caracterizada pela alteração de neurotransmissores no cérebro. Pessoas religiosas e não religiosas sofrem de depressão. Não há relação de causalidade entre a doença e a debilidade espiritual. Isto posto, é um desafio premente em nossa sociedade, quebrar o paradigma teológico do indivíduo depressivo como um ser alienado de Deus.

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Rodolfo Capler, pesquisador, teólogo e escritor. Autor do livro (no prelo) “Geração Selfie”; e-mail: [email protected]/Instagram: @rodolfocapler

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