Gerson Marcelino
A questão referente à constitucionalidade da Lei Municipal 8.865/2018, conhecida como “Lei da Ficha Limpa Municipal”, voltou a ser debatida no município de Piracicaba, gerando acalorados debates sobre sua legalidade, no exato momento em que foi aplicada pela primeira vez no município.
Tendo atuado como assessor parlamentar na Câmara de Vereadores na ocasião da elaboração deste projeto de lei, coube-me apresentar, ao vereador Paulo Campos, o parecer jurídico que acabou embasando a justificativa da lei, razão pela qual estou convencido de que não há inconstitucionalidade na lei.
A questão debatida na época era se o projeto de lei padecia do chamado “vício de iniciativa”, por estar supostamente relacionado a criação de cargos e organização administrativa, matéria esta, de competência legislativa exclusiva do poder executivo.
Contudo, a lei em debate não objetiva a criação de cargos e organização administrativa como se ventilou naquela ocasião, mas versa tão somente sobre aptidão para exercício de função pública considerando o princípio da moralidade o que se insere na competência legislativa do vereador.
Ocorre que cabe ao poder legislativo municipal intervir para proibir que a administração, por ato do poder executivo, proceda contrariamente ao princípio da moralidade, inclusive para obrigar que se desconstitua ação violadora de referido princípio, como, aliás. vem expresso no artigo 111 da Constituição Paulista.
Portanto, é nítido que o espirito da lei em questão é justamente a observação de critérios de contratação para servidores comissionados a fim de vedar a contratação de pessoas que ostente alguma representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral ou condenação criminal, ambas com trânsito em julgado, reputando-se como nulos os atos anteriores praticados em desobediência à Lei.
E por tratar-se justamente de critério de honorabilidade para o exercício da função pública em comissão no âmbito da municipalidade é que resta evidente que não há invasão de reserva de iniciativa do Poder Executivo para legislar sobre o tema.
O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de apreciar nos autos do recurso extraordinário 183.952-0/RS questão que guarda semelhança ao caso em discussão, quando afastou o vício formal de iniciativa por parte do legislativo municipal para a propositura de lei que versava sobre aptidão para exercício de função pública, referente a nomeação de cônjuge e parentes consanguíneos ou afins, até o terceiro grau ou por adoção, do Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários e Vereadores, para cargos em comissão, salvo se servidores efetivos do Município.
Ainda, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 122.101.0/1-00, em 24 de maio de 2006, que também cuidou de situação semelhante (evitar o nepotismo no preenchimento de cargos em comissão), o Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo por voto do ilustre Desembargador Laerte Nordi, salientou, in verbis, que: “pouco importa a iniciativa parlamentar, pois não há inconstitucionalidade na lei que, em verdade, atende aos princípios da impessoalidade e moralidade administrativa”.
Importante salientar que o próprio Ministério Púiblico já teve a oportunidade de emitir parecer quanto à legalidade e legitimidade de propositura parlamentar da chamada “lei da ficha limpa municipal” no Município de Mirassol (SP), nos autos do Processo nº 0301346-30.2011-8.26.0000, tendo entendido inexistir inconstitucionalidade de iniciativa parlamentar para Propositura de Projeto de Lei, que restringe provimento de cargos comissionados a exemplo da Lei Municipal 8.865/2018 ora em debate.
Também merece destaque, a decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos Autos do Processo nº 0301346-30.2011-8.26.0000, que apreciou a Constitucionalidade do Projeto de Lei 55/2011 da Câmara Municipal de Mirassol (SP), similar ao projeto de lei que originou a lei Municipal 8.865/2018 em discussão, onde ficou assentado: “Exigência de honorabilidade para o exercício da função pública que não se insere nas matérias de reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo – Ausente o vício de iniciativa.”
Por fim, o projeto de lei que originou a lei 8.865/2018 foi naquela ocasião submetido ao IGAM – Instituo Gamma de Assessoria a Órgãos Públicos que concluiu em seu parecer, após citação de inúmeros precedentes jurisprudenciais do TJSP, pela viabilidade técnica e jurídica do projeto de lei 19/2017 que originou a lei Municipal 8.865/2018.
Assim entendemos, com todo o respeito a posições em sentido diverso, que a lei em questão não fere sob nenhum aspecto a Constituição Federal, tratando-se de iniciativa louvável dos nobres edis que aprovaram referida lei naquela ocasião.
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Gerson Marcelino, advogado