Leonardo Marianno
O presente texto abaixo visa esclarecer algumas situações que envolvem o projeto de lei de autoria do vereador Paulo Campos que dispôe sobre a aplicação da lei da ficha limpa para cargos em comissão dos poderes Executivo, Legislativo e Autarquias em Piracicaba/SP.
Referido projeto de lei apresentado é fruto de iniciativa parlamentar, e não de iniciativa do Poder Executivo, como exigem, para tema de provimento em cargos públicos, a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Município de Piracicaba.
Assim, de plano, entendemos que há flagrante vício de iniciativa, de origem desse projeto, isto porque, viola a regra constante no dispositivo constitucional[1] que integra o processo legislativo, portanto, de observância obrigatória para os Estados Membros e Municípios, in verbis:
“Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição”.
- 1º – São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
(…) II – disponham sobre:
(…) c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; ”
Ainda, cabe destacar que a jurisprudência do Augusto do Supremo Tribunal Federal é pacífica em precedentes neste sentido, senão vejamos:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 135, I; E 138, CAPUT E § 3.º, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAÍBA. AUTONOMIA INSTITUCIONAL DA PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO. REQUISITOS PARA A NOMEAÇÃO DO PROCURADOR-GERAL, DO PROCURADOR-GERAL ADJUNTO E DO PROCURADOR-CORREGEDOR. (…) Os demais dispositivos, ao estabelecerem requisitos para a nomeação dos cargos de chefia da Procuradoria-Geral do Estado, limitam as prerrogativas do Chefe do Executivo estadual na escolha de seus auxiliares, além de disciplinarem matéria de sua iniciativa legislativa, na forma da letra c do inciso II do § 1 .º do art. 61 da Constituição Federal. Ação julgada procedente. (ADI 217, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 28/08/2002) Do corpo do acórdão, voto do min. relator Ilmar Galvão: “Registre-se, ademais, que, ao dispor sobre requisitos para preenchimento de postos de chefia na estrutura da Procuradoria do Estado, os dispositivos em questão violaram a iniciativa privativa do Governador para leis que disponham sobre o provimento de cargos, prevista na alínea c do inciso II do § 1º do art. 61 da Carta da República, regra que, sendo corolário do princípio da separação de poderes, é de observância obrigatório pelos Estados, até mesmo no exercício do poder constituinte decorrente.” Mesmo sentido: ADI 2873, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em20/09/2007; ADI 243, Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO 4 AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 01/02/2001; ADI 1165, Relator(a): Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 03/10/2001; ADI 2856, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/02/2011; ADI 1895, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 02/08/2007.
Nessa senda, observa-se que o Poder Legislativo, no caso, por mais louváveis que possam ter sido as intenções dos Senhores Vereadores ao instituir a chamada “lei da ficha limpa municipal”, editou norma, direcionando-a ao Poder Executivo, sobre matéria estranha à sua iniciativa legislativa.
Isto porque, verifica-se que, na hipótese em exame, inexistia espaço para o Poder Legislativo criar e disciplinar regras sobre as nomeações para cargos em comissão e funções gratificadas vinculados aos órgãos do Poder Executivo, porquanto, na melhor exegese do artigo 60, inciso II, alínea “d”, da Constituição Estadual, aplicável, aos Municípios e por força do disposto no artigo 8º, caput[2] , da referida Carta, incumbe ao Chefe do Poder Executivo, privativamente, propor leis que versem sobre criação, atribuições e funcionamento das Secretarias e órgãos da Administração Pública.
Dessa forma, conclui-se que se trata de iniciativa reservada ao Chefe do Executivo, não podendo, a Câmara de Vereadores, intentar projetos que visem dispor sobre esta matéria, sob pena de, em caso de usurpação da iniciativa, eivar de inconstitucionalidade o texto legal daí decorrente.
Por último, é necessário ainda, ressaltar que a lei objurgada, positiva flagrante desrespeito ao princípio da harmonia e independência entre os poderes, portanto, ao legislador municipal inexiste liberdade absoluta ou plenitude legislativa, face às limitações impostas pelo ordenamento constitucional.
[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 21/maio/2021.
[2] Art. 8º – O Município, dotado de autonomia política, administrativa e financeira, reger-se-á por lei orgânica e pela legislação que adotar, observados os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
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Leonardo Marianno, advogado, sócio de Marianno & Benitez Advogados